Se você visitar o Campo de Treinamento Nacional Queniano verá os melhores
atletas do mundo correndo altas quilometragens em altitude elevada. O que você
não verá será Moses Kiptanui ou Delilah Asiago
fazendo musculação. De fato, os quenianos são tão avessos à musculação
que ninguém nunca os viu fazendo isso. Viaje para a Etiópia e você verá uma
igualmente impressionante falta de musculação.
Porém,
aqui na América, a musculação é parte da cultura esportiva. Jogadores de
futebol, vôlei, etc fazem musculação. Por esse lógica, para serem atletas de
verdade, corredores deveriam fazer musculação também.
A pergunta é, musculação melhorará sua performance na corrida? A seguir
estão argumentos a favor e contra a musculação para corredores de fundo.
Por
que fazer musculação
A
musculação pode corrigir desequilíbrios e prevenir lesões. Além disso,
manterá a parte superior do corpo em forma, a qual não recebe muitos
benefícios da corrida e melhorará a estabilidade na região abdominal.
Musculação pode até melhorar sua economia de corrida, de modo que usará
menos oxigênio numa dada velocidade.
Por
que não fazer musculação
A musculação pode o fazer musculoso, e adicionará peso extra que terá que
carregar, além de enrijecer seus músculos e deixá-lo com lesão. Você tem
que ser magro sem nenhuma bagagem extra. Olhe para os vencedores da principais
maratonas do mundo e não verá ninguém com o bíceps desenvolvido.
A
musculação melhora a performance de resistência?
Um estudo de 1988 do Dr. R.C. Hickson e colegas, na Universidade de Illinois em
Chicago, investigou se adicionar treinamento de força poderia melhorar a
performance de atletas de resistência. Os pesquisadores tinham 8 atletas de
ciclismo e corrida de longa distância que adicionaram musculação aos seus
programas de exercícios. Os atletas fizeram 3-5 séries de 4 exercícios para
pernas, 3 vezes por semana durante 10 semanas. Depois de 10 semanas a força da
perna aumentou 27% no agachamento de pernas, 37%
na extensão de joelho e 25% na flexão de joelho. Porém, a musculação não
ocasionou qualquer mudança no consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo).
A
resistência de curta duração foi medida com os atletas pedalando e correndo o
mais forte possível por 4-8 minutos. Quando testados novamente depois do
treinamento com musculação, os atletas elevaram o tempo para exaustão em 11%
ao pedalar e 13% ao correr. De forma similar, o tempo que os atletas conseguiram
pedalar em 80%do VO2 máximo aumentou de 71 minutos para 85 minutos depois do
treinamento de musculação.
Porém, o efeito da musculação na performance da corrida não foi tão bom.
Dois dos oito atletas ficaram lesionados e não foram capazes de completar a
corrida de 10 km posterior às sessões de musculação. Nos outros seis atletas
os tempos nos 10 km melhoraram de uma média de 42:27 para 41:43 depois do
treinamento com musculação. Ainda que essa melhora não seja estatisticamente significativa, ela sugere que a musculação teve algum impacto positivo na
performance da corrida.
Um estudo de 1995, publicado no Medicine and Science in Sports and Exercise,
descobriu resultados similares a respeito do VO2 máximo. Dr. John McCarthy e
colegas da University of Wisconsin-Madison Biodynamics Laboratory não encontraram
elevação no VO2 máximo com adição de musculação ao programa de
treinamento. Nesse estudo, homens adultos sedentários foram divididos em 3
grupos. Um grupo com musculação, outro com treinamento de resistência e o
terceiro com uma combinação de musculação e treinamento de resistência. O
VO2 máximo aumentou em 18% no grupo com treinamento de resistência e 16% no
grupo com treinamento combinado. Portanto, nem esse estudo nem o da Universidade
de Illinois encontrou elevação no VO2 máximo com adição de musculação ao
programa de treinamento.
Porém, um estudo de 1994 na Universidade de New Hampshire encoraja fortemente a
musculação para corredores de longa distância. O fisiologista do exercício Ron Johnston
encontrou melhoras na economia de corrida depois de 10 semanas de programa de
musculação. No estudo, 12 corredoras treinadas foram divididas em grupos para
10 semanas de treinamento. Um grupo continuou a correr e adicionou musculação
3 vezes por semana da parte superior do corpo, abdômen e pernas. O outro grupo
só correu.
O grupo da corrida mais musculação melhorou a força da parte superior do
corpo em 24% e a força das pernas em 34%. O VO2 máximo e limiar de lactato
não foi alterado significativamente nos dois grupos, o que é consistente com
os estudos já mencionados. A descoberta mais interessante foi que a economia de
corrida melhorou significativamente no grupo com musculação, mas não se
alterou no grupo só com corrida. A economia de corrida melhorou mais de 2% nas
3 velocidades de corrida usadas no estudo. Johnston explica: "musculação
melhora a economia de corrida ou pela redução do movimento desnecessário ou
porque pernas mais fortes permitem aos corredores a utilizarem mais as fibras
musculares de lenta-contração mais econômicas." Johnston não é apenas
um espectador do esporte, tendo ganho a corrida de 50 milhas Maine em 1994.
A economia de corrida determina o quanto rápido você pode correr a um
determinado nível de consumo de oxigênio. Uma vez que a quantidade de consumo
de oxigênio que você pode manter durante uma corrida é determinada pelo
limiar de lactato, sua economia de corrida realmente dita o quanto rápido você
pode correr. Uma melhora de 2% na economia de corrida se traduz em uma
elevação de 2% na velocidade da corrida, o que representa uma melhora de 48
segundos para uma corredor de 40 minutos nos 10 km!
Parece
ótimo. Corra e faça musculação, corra mais rápido e ainda melhore sua
aparência. Mas e se você detestar musculação?
E
se você detestar musculação?
Experimente correr na ladeira. Um estudo de 1995 de Svedenhag e Sjodin sugere
que melhora similar na economia de corrida pode ser obtida ao correr em
ladeiras. Nesse estudo, 16 corredores de elite melhoraram a economia de
corrida em 1-4% ao ano através de combinação de corrida de longa distância,
intervalados e ladeiras. Outros estudos que incluíram somente corrida de longa
distância e intervalados não encontraram melhora na economia de corrida, o que
indica que as ladeiras foram as responsáveis pelas melhoras encontradas no
estudo de Svedenhag e Sjodin.
Correr
ladeira acima requer que suas pernas propulsem seu peso corporal contra a
gravidade. Ainda mais, elas o fazem em condições que replicam mais de perto as
condições de corrida do que as máquinas de musculação. Evidência empírica
dos benefícios da corrida em ladeira vem dos corredores quenianos e etíopes de
hoje, e vai bem atrás no tempo até os grandes corredores neozelandeses dos
anos 60 e 70. Os melhores corredores do mundo correm ladeiras dia após dia. É
claro que há fatores genéticos que separam os corredores de elite dos recreacionais, mas certamente parece que o treinamento em ladeira é um elemento
importante que, diferente dos seus genes, pode ser mudado.
Outra vantagem da corrida em ladeira sobre a musculação é que você pode
simultaneamente fortalecer seu sistema cardiovascular. Desta forma, corrida em
ladeira pode ser vista como uma outra forma de treinamento com peso. Nesse caso,
seu corpo é o peso. Para melhorar sua força nas pernas, você pode fazer
exercícios de musculação com pesos na academia, ou pode fazer exercícios ao
mover todo seu corpo ladeira acima contra a gravidade.
A evidência indica que melhorar a força da pernas através de treino com peso
melhorará sua economia de corrida. Você pode fazer isso com musculação ou
correndo em ladeira. Se você decidir-se pela musculação, procure orientação
de um treinador ou profissional de educação física que compreenda que seu
objetivo é melhorar a corrida e não ter a aparência de um Arnold. Se você
decidir fazer musculação para as pernas, agende suas sessões de modo que
estejam logo antes ou depois do treino de corrida forte. Independente da sua
escolha ser musculação ou ladeiras, sua economia de corrida e performance em
competições deve melhorar .
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